A recente decisão Superior Tribunal Federal (STF), que manteve inalterada a Lei da Anistia de 1979, nos leva necessariamente à pensar sobre as questões que envolvem a memória, o esquecimento e o perdão.
Segundo Paul Ricouer*, a anistia figura como uma das modalidades dos "abusos do esquecimento". Seria uma forma de "esquecimento institucional", utilizada desde a Idade Antiga, que objetiva combater delitos cometidos por ambas as partes em um período de sedição. Seu projeto confesso: a paz cívica entre os cidadãos.
Porém, sua proximidade semântica e fonética com a amnésia, conformaria um pacto secreto com a denegação (negação) da memória. Teria o efeito de apagar os fatos da memória, afirmando que "nada ocorreu". Portanto, essa forma de "amnésia comandada" leva consigo um abuso do esquecimento na medida em que
"[...] a memória privada e coletiva seria privada da salutar crise de identidade que possibilita uma reapropriação lúcida do passado e de sua carga traumática" (RICOUER, 2007, p. 462).
O autor continua afirmando nesse sentido que a anistia só deveria ser usada como uma forma de 'terapia emergencial'; como um signo de utilidade, não de verdade.
A fronteira que separa a anistia da amnésia poderia ser preservada a partir de um trabalho consciente da memória (e, falando psicanaliticamente, de um trabalho de luto), norteado pelo espírito do perdão.
A fronteira que separa a anistia da amnésia poderia ser preservada a partir de um trabalho consciente da memória (e, falando psicanaliticamente, de um trabalho de luto), norteado pelo espírito do perdão.
Os que ainda votam contra essas mudanças assentam seus argumentos na idéia de que o Brasil optou pela "concórdia"; que, por ser uma sociedade avançada, optou pelo 'perdão'. Uma sociedade que luta contra seus inimigos com as mesmas armas, clamam eles, direciona-se ao fracasso.
Porém, repensar/rediscutir/rever a Lei de Anistia dos fins da ditadura civil-militar brasileira é, antes de qualquer outra coisa, pensar sobre um passado forçadamente esquecido. Forçadamente marcado pelo esquecimento. Esquecimento que é institucional, que se enraíza no político. Esquecimento que ainda não significa perdão.
*RICOUER, Paul. O esquecimento comandado: a anistia. In: A memória, a história, o esquecimento. Campinas: Editora da Unicamp, 2007, p. 459-462.
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